sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Retalhos - PARTE II

Por algum motivo esses retalhos falam de mim. Afinal, somos feitos deles (será?). Juntamos tudo que acontece conosco e costuramos a fim de nos (re) cobrir dessas experiências, dos outros e nossas (pouco de nós). Acabo por entender que nos formamos muito mais de outros, outras coisas do que de nós, provenientes de escolhas que atraímos e por que não dizer buscamos? “Não busco/busquei dor; o que queria mesmo era amor”. Contudo, não se pode esperar de uma árvore, flores cheirosas sempre, e vitalidade eterna. Embora, a vitalidade também significa possuir folhas secas bem como o amor têm suas dores. Concordo com que evita a dor, mas, no findar, suspeito que não prove de um sentimento que queima a cabeça e descompassa a batida do coração. No final, a dor do amor é tão intensa quanto o sentimento de amar. Por isso, dói como alguém que estar à beira de perder-se, perder o mundo, a cor e até a dor... Entendo muito bem! Enxergo de modo simples, mesmo querendo implicar comigo mesma. Forçando-me a discordar do que eu acho e não daquilo que luto para achar. 
Quem abre mão dos retalhos não terá um cobertor para se esquentar. Não cria pele, não tem resistência, não vive (não devia ser assim, a gente leva as coisas à serio demais), a gente morre de frio. Pois bem, preciso me cobrir!

Por Evilin Melo.

Retalhos

Das diversas lembranças que carrego da minha infância, lembro-me fortemente da minha avó - por parte de mãe -, em sua velha máquina de costura com muitos retalhos espalhados pelo quarto: no chão, na cama, numa mesinha pequena, que parecia uma tábua de passar roupa. Entre almofadas e carretéis de linha, em uma diversidade de tecidos, dos quais não se podiam contar, a única coisa que eu tinha certeza é que desses muitos tecidos, a maioria deles eram retalhos, como já havia falado antes, que se tornavam empecilhos para entrar no quarto que era o mesmo local de dormir e trabalhar. Certamente, não pensei em nada naquele momento, a infância é apenas brincadeira. Todavia, por algum motivo, essa lembrança me persegue, e possuo uma memória que não me deixa falhar, em quase nada. Voltando aos retalhos que minha avó costurava, das poucas vezes que consegui adentrar aquele quarto, percebi que os retalhos estavam sendo cortados em quadrados iguais e ganhavam uma forma bonita quando costurados juntos, um ao lado do outro numa medida em centímetros que desconheço, até hoje. Eu sempre voltava para casa no fim das tardes de domingo quando costumávamos ir “passar o dia” com a família, e por esse motivo, nunca via o fim que os retalhos costurados levavam. Até que, um dia, quando fugimos à regra daquela velha rotina, fomos à casa da minha avó, e observei retalhos por sobre a cama, retalhos grudados, e agora, com uma “cara” de colcha, na verdade, era isso. Aquele “monte” de retalhos espalhados pelo chão e por todo canto que minha visão pôde alcançar, agora tinha uma finalidade: enfeitar; e mais, cobria, esquentava e era uma peça de guarda-roupas tanto quanto as outras que compramos em alguma loja de cama, mesa e banho. Só que essa colcha foi costurada pela própria pessoa que a utilizaria, logo após o seu término, isso era bem óbvio. E é aí, que me permiti refletir: retalhos diversos, de estampas desiguais e texturas incomuns; juntos podem ter utilidade, podem ter algum fim.
Quem nunca se notou separado? Quem bem se percebe, percebe também o que não há em você de você mesmo. Eu mesma poderia ser um desses retalhos, separada em várias partes de mim por pessoas que julgavam melhor separá-los. Há uma frase bem conhecida que diz que "por onde passamos deixamos sempre um pouco de nós"... Em um dado momento da vida, essa é a realidade de todos nós. O problema é como recuperar as partes já espalhadas, se é que isso é possível. Considerando a impossibilidade, de recuperá-los; o jeito é refazer-se de retalhos novos, com novas estampas, para então, costurar-nos novamente. Sentir-se novo é outra história.

Por Evilin Melo